22 de maio de 2021

Entre a Farmácia São José e o magistério: A atuação dos Andrade Arraes em Quincuncá - Por Guilherme Pereira

Dona Carmelita e Seu Abelardo | Acervo da família.
(Obs: Para melhor ajustar o anexo de compartilhamento, evitando a modificação da imagem, foi necessário a adição de duas bordas brancas, algo que fica perceptível, caso clique para visualizar). 

    Desde a época que se resumia a um pequeno aglomerado de casas, em torno da fazenda Araticum, de propriedade de José Rodrigues da Silva e Ana Maria de Jesus, Quincuncá foi sendo habitada ao longo dos anos por várias famílias, provenientes de diversos lugares, que aqui se estabeleceram por motivos distintos, mas em busca de um objetivo comum: uma vida melhor. 

   Algumas destas famílias estão em evidência morando na comunidade até os dias atuais, enquanto outras, por consequência do destino seguiram outros rumos, como foi o caso da família ANDRADE ARRAES, representadas nas pessoas de Abelardo de Andrade Arraes e Maria Carmelita Viana Arraes. 

   Antes de prosseguir nesta história, se faz necessário compreender o contexto que o distrito estava inserido. Na época apenas os grandes centros urbanos dispunham de uma maior cobertura no que tange a assistência em saúde, ao tempo que as demais localidades padeciam com a sua inexistência. Para aliviar as dores, as pessoas concentradas em áreas desassistidas pelo governo, como Quincuncá, recorriam a sabedoria popular no preparo de chás e garrafadas, ou as recomendações de "médicos", como o Sr. Augusto Moreira e Francisco Ferreira Siebra, ambos farmacêuticos. O primeiro trabalhava na sede do município de Farias Brito-CE, distante mais de 10km de Quincuncá, e o outro no distrito de Cariutaba, tornando tudo mais difícil pra quem já estava doente, já que o único meio de locomoção era a pé ou em lombo de animais. 

Chico Siebra e Neusa - Arquivos do Centro Cultural de Farias Brito.

   Em julho de 1947, Francisco Ferreira Siebra "Chico Siebra" e Francisca Neusa de Alcântara, mudaram-se para Quincuncá, acontecimento que alegrou aos moradores que não teriam mais que se dirigir a outros lugares em busca de tratamento, mas como diz o ditado "alegria de pobre dura pouco", o casal habitou pouco mais de um ano, retornando novamente para Cariutaba, em dezembro de 1948, deixando a comunidade mais uma vez isolada, sem qualquer farmacêutico em atendimento.

   Esse fato só veio mudar em 1951, quando Abelardo de Andrade Arraes e Maria Carmelita Viana Arraes, transferiram-se com sua família de Granjeiro, para a pacata povoação de Quincuncá à convite do Sr. João Antero da Silva "Silva Antero", (1913-1980), que na época era prefeito do antigo Quixará (hoje Farias Brito-CE). 

   Abelardo de Andrade Arraes por sua vez, nasceu em 05 de fevereiro de 1911, filho de Vicente Andrade Arraes e Maria de Araújo Arraes "Biliu", natural do antigo distrito de São Domingos, hoje denominado de Quixariú, em Campos Sales-CE, tendo ainda parentescos no município de Araripe. Já sua esposa, Maria Carmelita Viana Arraes, nasceu em 30 de abril de 1914, em Saboeiro-CE, filha de Nicolau Viana Arraes e Balbina Pedroza Viana Arraes "Dona Pedrozinha", possuindo familiares em Brejo Santo-CE desde idos de 1898. 

Casamento de Carmelita & Abelardo, 1936 - Cedido por Fátima Arraes. 

  O casal uniu-se em matrimônio no ano de 1936, em Brejo Santo, tendo treze filhos: Maria Ariluce (1939), Margarida Maria (1940), Maria Gracildes (1942), José Viana (1944), José Valdísio (1945), José Valdênio (in memoriam), Francisco Assis (in memoriam), (1949), Júlio Cesar (1952), Maria de Fátima (1953), Antônia Elba (1955), Joana D' Arc Arraes (1957), Otávio Augusto (1958), Antônio Achilles (1960), dos quais os últimos cinco de naturalidade Quincuncaense, com exceção de Antônio Achilles. 

Painel com fotos e anos de nascimento dos filhos do casal - Cedido por Gracildes Arraes.

    A princípio este casal morou na residência que pertenceu ao Sr. Joaquim Ferreira dos Santos "Seu Quinco", na Rua José Rodrigues, ao lado da Igreja, e em sequência edificaram uma na Rua Antero Rodrigues, onde hoje habita e comercializa Laurécia Rodrigues (antigamente situava-se a residência de Celso Pereira). De forma  honesta, Abelardo de Andrade continuou seu trabalho a frente da "Farmácia São José", estabelecimento que já possuía o mesmo nome, em Junco, atual Granjeiro, e ao migrar para o Quincuncá coincidentemente homenageou ao Padroeiro.

   Antes de se dedicar à farmácia, Abelardo foi militar, alcançando o posto de 1º cabo do 23º batalhão de Caçadores, em Fortaleza, promoção que é registrada no Jornal "A razão", de Fortaleza, Ed. 197, p.1, de janeiro de 1937. 


Acervo de Silva Antero - Digitalizado por BQ
No verso da original consta agradecimento a Silva
Antero, assinatura de Aberlardo e data 17/08/1952.
Jornal "A voz dos práticos", Ed. 11, Fortaleza, jan. 1952. 

 

    O Jornal "A voz dos práticos", de Fortaleza, edição nº 07, de outubro de 1950, aponta Abelardo em Granjeiro como um dos 37 convocados para integrar a 3ª turma de oficiais de farmácia na Capital Cearense. O mesmo jornal  em edição posterior, de janeiro de 1952, o menciona como classificado em 6º lugar nos exames. 

   Na fotografia acima, remetida à Silva Antero, Abelardo escreve que sua formatura deu-se em 30 de novembro de 1951, quando conquistou a sonhada diplomação na Faculdade de farmácia e odontologia do Ceará, curso que só veio acrescentar em sua atuação. Como farmacêutico, fazia consultas e prescrevia medicamentos, oferecendo a comunidade uma vasta gama de medicações, adquiridas em laboratórios, além de outros manipulados, fabricados por ele próprio. Mais tarde, também foi instruído por Dr. Lucena que hospedava-se em sua casa, para extrair dentes, função que largou tempos depois. 

    O exercício da profissão aliado ao seu bom relacionamento com os moradores logo transformaram Seu Abelardo uma das pessoas mais conhecidas da região, sendo procurado não só pelas pessoas do Distrito, mas por moradores de sítios circunvizinhos. Sua idoneidade pode ser notada no livro de tombo da Paróquia de Farias Brito, quando seu nome figura como secretário na comissão encarregada pelos trabalhos de reconstrução da atual Igreja de São José, concluída em 1962. 

      Se Abelardo de Andrade conquistou reconhecimento na saúde, sua esposa, Maria Carmelita destacou-se igualmente na educação. Vinda de uma família de educadores, bisneta de Balbina Lídia Viana Arraes, a 1ª professora pública de Brejo Santo, Dona Carmelita desempenhou o magistério por vários anos na instituição pública Escolas Reunidas de Quincuncá, hoje denominada E.E.F Cosmo Alves Pereira, sendo também a primeira alfabetizadora de seus filhos. 

   Conhecida por seu jeito meigo, Dona Carmelita alavancou muitos sonhos e transformou realidades, incutindo em seus alunos os frutos doces que a educação pode gerar. Contribuiu diretamente na formação de muitos hospedando em uma casa de sua propriedade no Crato, vários filhos da terra que desejavam ir mais longe no estudo. Por todos esses serviços prestados, o casal gozava então de muitas amizades e de profundo respeito. 

     Nos anos 1980, com a justificativa de prestar uma maior assistência ao estudo dos filhos, Dona Carmelita mudou-se para o Crato, ficando o esposo em Quincuncá como responsável da farmácia. Na época, quem ficou encarregada de preparar a comida e zelar de suas roupas, foi a Sra. Joana Roque, apelidada de "Joaninha Lavadeira", doméstica que há décadas prestava serviços a família, desfrutando de total confiança desta. 

 "Joaninha Lavadeira". -Cedido por Dona Maria Gracina

   Após algum tempo, por problemas de saúde, Seu Abelardo decidiu migrar para o Crato, ficando em companhia da esposa, encerrando desta forma sua atividade farmacêutica em Quincuncá. Faleceu aos 76 anos, em 26 de abril de 1987, e já Dona Carmelita, em 22 de maio de 1996, aos 82 anos, deixando ambos muitas saudades. 

   Desde esse acontecimento, nenhum descendente dos "Andrade Arraes" habita mais na comunidade. O que restaram foi só lembranças, que o tempo infelizmente vai se encarregar de esquecer. Em contrapartida, a publicação deste artigo teve por intuito ressaltar essas memórias, registrando-as para a posteridade.

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FONTES: 

Fontes escritas: Jornais (Hemeroteca Digital) & outros: 
A razão: independente, político e noticioso. Ed. 197, Fortaleza, 17 de janeiro de 1937, p. 1
A terceira turma. A voz dos práticos. Ed. 07, Fortaleza, outubro de 1950, p. 4. 
A terceira turma. A voz dos práticos. Ed. 11, Fortaleza, janeiro de 1952, p. 2. 
Livro de Tombo I p, 56 verso - Paróquia N. Sra. da Conceição - Farias Brito-CE. 

Fontes orais: 

Entrevista com Maria Gracildes Andrade Arraes, professora aposentada e filha do casal, em 01 de março de 2018;

À Elba Arraes, filha do casal, um agradecimento pelos dados biográficos e demais contribuições na escrita desse artigo.


Websites consultados: 

JUNIOR, Roberto. O casarão dos Vianna Arrais, um lar de saberes e ensinamentos. Cariri das antigas, 22 de set. de 2019. Disponível em: <https://cariridasantigas.com.br/o-casarao-dos-vianna-arrais-um-lar-de-saberes-e-ensinamentos/> Acesso em 16 de maio de 2021. 

Campos Sales. IBGE. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/campos-sales/historico> Acesso em 16 de maio de 2021.

*Artigo atualizado em 29 de junho de 2021, com a inclusão da foto do casamento. 

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