16 de maio de 2018

Uma história de amor interrompida por uma tragédia: Os noivos recém-casados falecidos na Serra do Quincuncá

Francilúcia e Catonho. Foto publicada no Facebook Vila Amaro

      A história dos noivos recém-casados que morreram na ladeira da Serra do Quincuncá em Farias Brito-CE, acredito que a maioria das pessoas já ouviram falar. Naquele dia festivo que terminou em tragédia, em 21 de dezembro de 1985, receberam-se em matrimônio Francilúcia e Catonho na Igreja Matriz de Farias Brito. Após a celebração, o carro onde estava o casal retornava para a Vila Amaro em Assaré, quando na ocasião o pneu traseiro do lado de onde o noivo estava deslizou, provocando a queda de uma barreira, fazendo com que dentro de alguns instantes o carro caísse no abismo, tirando de imediato a vida dos recém-casados Francilúcia e Catonho e deixando algumas pessoas que vinham no referido veículo feridas. Dez dias mais tarde (31/12) faleceu também Leontino Carneiro (Leal), o motorista que fazia essa condução. Uma história de amor que infelizmente não teve um final feliz, e marcou para sempre a história da Serra do Quincuncá, e a vida dos familiares e amigos dos falecidos e sobreviventes desse causo. (Colaboração do Facebook Vila Amaro e Laileide Carneiro  para a escrita dessa publicação).
    
    Dias após este trágico episódio, o poeta Miceno Pereira da Silva, nascido no Sítio Cedro no distrito de Amaro, em Assaré, escreveu uma poesia composta por quarenta e seis estrofes, narrando a história dos noivos, a partir de depoimentos  dos familiares. Esses versos foram escritos, em 25 de dezembro de 1985, e mais tarde, foram reproduzidos num livro de sua autoria, intitulado: "Versos diversos de um cantador de viola", publicado pela gráfica Nobre, em 2006, p, 42-51, que segue transcrito na íntegra  para leitura: 


O CASAL QUE MORREU EM UM ACIDENTE NO DIA DO CASAMENTO

Estes versos foram feitos de acordo com os familiares das vítimas.

01. Peço a Jesus que me cubra 
Com as bençãos do Natal
Me inspre para descrever
A história de uma casal
Que tragicamente morreu
No dia que recebeu 
Laço matrimonial. 

02. No ano de 85
Quase no final do ano
Aconteceu o noivado
Mas foi desviado o plano
Deus deu-lhes moradia eterna
Dentro da casa paterna
Do nosso pai soberano. 

03. O rapaz, um cearense
Moço forte e inteligente
Do nome Antonio Leite
Conhecido vulgarmente 
Pelo nome de Catonio 
Querido no patrimônio 
Amigo de toda gente. 

04. Sr. José Bezerra Leite 
Era seu papai da fé 
A mãe Maria das Dores
Sítio Prazeres Assaré 
Onde na agricultura  
Sempre faziam fartura
Sempre faziam fartura
E tinham recurso até.  

05. Antonio inda muito jovem
Foi pra o sul do Paiz
Lá se empregou muito bem
Trabalhou e foi feliz   
Depois de quase dez anos 
Veio visitar pais e manos
Seu lar, e sua matriz.  

06. Ao visitar sua terra  
Seu pai e sua mãe querida  
Frequentou alguma festa  
Com um jovem encontrou 
A quem êle dedicou 
Todo amor da sua vida.  

07.Residia em Santo Amaro
 Aquela menina bela   
Seu pai José Lourenço
Antonia Fialho a mãe dela
Das jovens daquela vila  
A mais calma, a mais tranquila 
E mais atraente donsela.   

08. Era Francisca seu nome 
Por Francilúcia chamada
Desecete primaveras  
Sua idade aproximada
A qual jurou para Catonio
Que um dia em matrimonio
Segueria a sua estrada

09. Êle o mesmo juramento  
Firmou as mãos lhe beijando 
E uns dias após as juras 
Novamente ao sul voltando
Èsse rapaz viajou  
E Francilucia ficou
Firmemente lhe esperando. 

10. Uns dois anos mais ou menos  
O jovem do sul vivia
Trabalhando em um bom emprêgo
Uma diversão não ia 
Ganhando e economizando
Comprando móveis e guardando
Esperando o feliz dia.

11. Tanto fez economia
que boa soma guardou 
depois de comprar os móveis
e pra casar se arrumou
resolveu voltar ao norte  
pra saber se sua sorte 
estava como deixou.   

12. Disse alguém que aquela jovem
Que lhe esperando ficou
Sem receber cartas dêle  
Um pouco a estrada mudou, 
De alguém estava sendo chamada  
Mas ficou preocupada 
Ao saber que êle chegou

13. Quando Francilucia soube 
Da noite alvissareira
Da chegada de Catonio 
Disia não sou grosseira
Serei dêle, e êle meu 
Uma carta lhe escreveu  
Dizendo desta maneira. 

14. - Meu bem soube que você
Veio aos seus pais visitar 
Aqui estou te esperando  
Pra de novo te abraçar 
Te entregar minha alma pura 
Pra saber se é a jura  
De amor, está sem quebrar.

15. Se vieste na intenção
De ainda gostar de mim
eu penso da mesma forma 
És meu anjo querubim
Venha pedir-me aos meus pais 
Que serei tua e jamais
o nosso amor terá fim

16. Êle recebendo a carta   
A mesma nem respondeu 
E dentro de poucos dias
Em sua casa apareceu 
Pediu-lhe em casamento 
Declarou o plano seu. 

17. Declarou já ter comprado 
Linda casa na cidade  
Tinha comprado os móveis
Que havia necessidade
Comprou os enxovais 
Alianças núpciais     
Carimbo da amisade

18. Uniram-se os pais dos jovens 
Foram botar os pápeis 
Na Igreja e no cartório 
No curto prazo de dez 
Dias marcaram o noivado
Mas o destino malvado
mudou todos os paíneis.

19. Ao marcarem o casamento
O padre não concordou    
Porque Catonio no Sul  
Bastante tempo passou  
Pra contrair a união  
Uma justificação
O padre então lhe cobrou. 

20. Catonio inda foi até 
Ao Juazeiro do Norte 
Não prosseguiu a viagem
A fêz quase por esporte 
Mas recebeu um escrito 
Para que em Farias Brito, 
Receber sua consorte. 

21. Dia dez de dezembro
No cartório de Assaré 
Eles casaram civil   
pra poder tomar pé   
A vinte e um com praser 
Iriam para receber  
O sacramento na Sé.   

22. Na vila de Santo Amaro 
Reuniram-se os parentes 
Do rapaz e da donsela
velhos e inocentes    
enquanto comiam e bebiam
os convidados diziam   
são lindos os nubentes.

23. Exatamente os dois jovens
Se pareciam demais
Alturas fisionomias
Nas cores eram iguais
Era o dito em geral 
Este é o mais lindo casal      
Entre todos os casais. 

24. Depois de prontos seguiram
  Direto a Farias Brito
As nove horas se casaram
Oh que momento bendito
 Noivo belo, noiva linda
  Ninguém tinha visto ainda
 Noivado assim tão bonito.  

25. Muito bem acompanhados
Na maior animação
  Como padrinhos dos noivos
    Uma cunhada e um irmão
Um vereador e seu par,
   Aquela bela união.

26. Os padre os abençoou
recomendou muito bem
Depois, como de costume
Que todo noivado tem
Se divertiram, brincaram
   Muitos parabéns cantaram
   Vivas e palmas também.

27. Duas C-10 bem lotadas
Partiram então da cidade
Dando vivas, desejando
   Aos noivos felicidade
  Cada um mais sorridente
Sem saber que estava a frente
      A maior calamidade. 

28. Logo próxima a cidade
Tem uma grande ladeira
 cheia de abismos e curvas
    A mais alta costaneira
Que quem ali transitava
De mêdo se arrepiava
 Já temendo a bagaceira.

29. Precisando ter coragem
Muita prática em dirigir
Bom carro, bom motorista
 Resar e se prevenir
   Que quem no abismo caísse
 Não via mais quem visse
 Vivente algum resistir. 

30. O carro que vinha os noivos
 Os padrinhos e mais gente
 Onde o próprio testemunho
   Dirigia velozmente
 Bem no pico da ladeira
Sobrou a roda traseira
virou repentinamente

31. Alguém contou que assistiu
Do início do acidente
O carro deu vários tombos
  Saiu derramando gente
   Os primeiros que caíram
Todos êles se feriram
 Veio o pior bem na frente.

32. Depois de vários tombos
   A cabine se partiu 
   Caiu o capu do carro 
       Tão longe que quem viu 
 Pelos escombros decendo 
  Uns gritando outros gemendo 
   Quem passou por perto, ouviu. 

33. Quem vinha no outro carro 
  Ao ver estacionou
Parou para socorrer 
Os do carro que virou
 No meio da triste cena
Todo mundo sentiu pena
  Quando no ponto chegou.

34. Foram encontrando o povo
Um tombando, outro caído
 Um com pernas fraturadas
Outro com o corpo ferido
  Quando encontraram de lado
 O noivo era finado 
     E a noiva tinha morrido.

35. Grande aflição nessa hora
Aquela gente assistia
 Quando os padrinhos dos noivos
 Para o outro lado se viu 
 Ela aos gritos ao chão 
 E êle em situação 
  Que mal alguém conhecia. 

36. Aquele vereador
   Estava no chão caído
 Por ser êle o motorista
E ter mais tempo resistido 
Aos sopapos do transporte
 Estava as portas da moda [morte]
    Tendo depois falecido. 

37. Socorrido por terceiros
 Foram todos transportados
  Na medida do possível
  Pros logares indicados
 Os doentes pra tratar
  Agora vamos falar
Dos pais dos recém-casados. 

38. Quando chegou a notícia
Do triste acontecimento 
Foi o maior absurdo 
Por minha vez analizo 
 Era um dia de juízo
   E não de divertimento 

39Choravam muitas famílias
Desde o adulto a criança
Entristeceram-se os parentes
 Chorou toda a vizinhança
Juntos em prantos iguais
 Pra fazer os funerais
Deixando a triste lembrança.

40. Dois caixões emparelhados
Via-se ali no salão
Da casa dos pais da jovem
 Que com dor no coração
Sofreram o mais triste drama
Que quem assistiu exclama
Oh cruel situação.

41. Tiraram fotografias
No patamar da Capela
Os dois caixões bem juntinhos
  E a resar por êle e ela
Levaram ao Campo Santo.
Não há quem calcule o quanto
  Já ao lado dêle e dela. 

42. Ao entrar no Cemitério 
  Já estava a cova aberta
Pronta para os dois caixões
  Lá na casa descoberta
A mão de Deus nunca erra
   Escolheu aqui na terra
 Pros dois a morada certa. 

43. De nada adiantou
 Casa linda na cidade
Lindos móveis, tanto luxo
  São coisas de vaidade
  Deus achou não ser preciso 
 Lhes doou no paraíso 
     A feliz eternidade. 

44. Sejam bem aventurados
Na corte celestial
Gosando as coisas divinas
  Da morada principal
  Vivendo santos amores
 Com o perfume das flores
     Da coroa virginal.

45. Mil desculpas pedirei 
 Inda aos pais dos falecidos
Como também aos leitores
Em meus versos redigidos
Narrando este episódio 
  Onde forem concedidos. 

46. Para descrever o caso
Era pelos meus intentos
Rogar pra que todos descem
     Encêjo e concentimentos
   Imaginei descrevi 
Remeti e transmitir 
  A todos meus sentimentos. 


© Os direitos autorais dessa obra pertencem ao poeta Miceno Pereira. O objetivo dessa postagem é para que outras pessoas tomem conhecimento acerca dessa história, que até hoje se perpetua na memória dos familiares das vítimas, como pelos moradores que vivenciaram ou ouviram falar este fato na sua juventude. 

2 comentários:

  1. Eu já passei muitas vezes por o local exato desse acidente, Eu nasci em Farias Brito Ceará, e morei toda a minha infância no sítio impoeiras perto dessa serra do quincuncá, tenho 26 anos e sempre ouvi o povo falar dessa história desses noivos, é uma triste história de amor que acabou com um final trágico.

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